1.10.2008

A saúde que vamos tendo

Alpedrinha, chegou, em tempos, a ter três médicos em regime de residência e assistência permanente, a qualquer hora do dia ou da noite. Hoje, tem apenas um.
A assistência médica é hoje em dia "constitucionalmente" prestada através da extensão de saúde com as dificuldades e custos que todos sobejamente conhecem.
A ordem geral é para fechar tudo o que não dê lucro! Se não há condições, então mais vale fechar! Esvaziam-se os serviços para a justificação do fecho! Aceita-se a decisão como uma fatalidade factual! As pessoas são hoje decididamente um número. E onde fica a obrigação da dotação dos meios para a supressão dessas carências que evitem a justificação para o encerramento? Que alternativas são estas? Como pode Alpedrinha defender-se de todas estas afrontas que constantemente lhe são colocadas?
Longínquas são as preocupações com a forma de assistir as populações nos cuidados de saúde.
A carta que aqui reproduzo, de leitura obrigatória, dirigida há vinte e nove anos ao Senhor Presidente da Assembleia da República pelo ilustríssimo alpetriniense de coração, Dr. Francisco de Sá Pereira, reflecte o empenho de um médico do interior real e profundo deste país, na tentativa de solucionar e satisfazer as necessidades de cuidados gerais de saúde, com uma proposta alternativa convicta ao então projecto do Serviço Nacional de Saúde.

Exmo. Senhor Presidente da Assembleia da República
LISBOA

O Senhor Deputado Arnault, concedeu ao Jornal do Fundão uma entrevista publi­cada no número 1659 de 27 de Outubro passado, deste semanário.

Por me parecer que a minha opinião poderá de certa maneira contribuir para a Instalação em Portugal de um verdadeiro S. N.S. peço licença para enviar a V. Ex.ª a
minha exposição crítica à entrevista do Senhor Deputado Arnault com o pedido de, se V. Ex.ª. a julgar válida, mandar tirar fotocópias do meu parecer que é também " A minha proposta" a distribuir por todos os Senhores De­putados.

A crítica:
O Senhor deputado Arnault depois do incensar a vida do sacrifício da maioria dos médicos, não lhes faz favor algum, não deixa a seguir de lhes chamar, a alguns, bem entendido, "Barões da medicina" e, "Latifundiários da Saúde", duas frases bombásticas "pour opater le bourgeois".
Na realidade os Barões deixaram de existir numa sociedade sem classes e ao que diz respeito aos Latifundiários só se os for buscar às cooperativas agrícolas do Alentejo.
O privilégio da competência tem de admitir-se.
Mas ainda que pareça estranho são os mais sabedores, os Barões de Sangue, que mais restringem os seus honorários.
­Que um número diminuto de médicos se aproveite dos "vícios do sistema para a exploração das misérias alheias" está certo.
Mas então não se culpem os médicos e antes os próprios doentes que na ânsia de recuperarem a saúde desprezam os conselhos dos mais avisados.

Os médicos e S.N.S.
Os médicos não contrariam o S. N. S. e o Senhor Deputado reconhece-o no decurso da sua entrevista.
Simplesmente desejam uma assistência eficiente da livre escolha do médico-doente, compatível com os recursos financeiros de que o Estado possa dispor.
E são na sua, maioria mais de 80% contrários à socialização da medicina nos moldes preconizados pelo Senhor Deputado.
A socialização da medicina só vingará num regime socializado que não é o caso, felizmente, de Portugal.
Para isso será necessário convencer o Povo mostrando-lhe com exemplos concretos os benefícios da tal Medicina socializada.

Exemplos de médicos não cumpridores.
A determinado passo da sua entrevista o ex-Ministro Arnault cita alguns casos de médicos não cumpridores, naturalmente reprováveis.
A par dos exemplos citados seria lógico que o Senhor então Ministro, procurasse por esse País fora um sem número do profissionais da medi­cina que pertem a saúde e até a vida recebendo como recompensa final uma reforma do 190$00 por mês e ainda com desconto de 48$80 para o caixão.

E quantas viúvas de médicos mendigam um almoço em casa de pessoas amigas?
Há maus médicos, os menos, como há maus políticos, os mais.
“A culpa é do sistema?"
Naturalmente.

Mas pretender modificar as pessoas com a modificação do sistema, afigura-se-me, pelo menos no que diz respeito a doentes, mera utopia.
“ Não há doenças, há doentes”.
Cada um reage à sua maneira.
Tanto enaltece o serviço do médico como o insulta, o bate e até o mata.
Esta é a triste realidade.

Serviço de Saúde fechado aos sábados e domingos.
Não me consta que isso seja verdade. Poderá haver uma certa restrição. Mas ainda aqui a medicina privada tem a sua virtude.
Por dever de ofício está presente a qualquer solicitação.

As Caixas e os Doentes.
"Se os políticos fossem doentes das Caixas teriam mais pressa de fazer cum­prir a Lei" e “o S.N.S. já funcionaria".Porquê?
Se entrassem no número dos 30 e mais doentes que se apresentam à con­sulta para o médico os observar em duas horas, naturalmente nem invocando os privilégios parlamentares, o que seria antidemocrático, seria, atendido razoa­velmente.
E aqui reside mais um dos vícios do sistema.
A culpa nunca foi dos médicos. Ninguém pôs cobro a este desaforo.
Algumas vezes ouvi esta frase elucidativa. "Vamos ali chatear o gajo".
Quando não lhos dava para insultar e até bater no médico. Bater e matar como o caso do Entroncamento.
O mínimo tempo em que se poderá ver por alto um doente é de 15 minutos. Exigir do médico a observação de mais de 8 doentes nas duas horas será um dos grandes erros do sistema. Mas não basta legislar. Os doentes querem. E se o médico os não atende não hesitam em o maltratar ou vir cá para fora propagandear a mentira. Insistir na manutenção das Caixas será portanto, persistir na asneira.

Radiografias e outros auxiliares de diagnóstico.
"Esperar meses por uma radiografia".
Claro, se um doente se lembra de apalpar o rabo às 2 horas da madrugada, mandar chamar o médico que constata a existência de uma hemorróida e de cam­bulhada exige "tirar uma chapa" para que os R.X. lhe digam o que tem, os respectivos serviços hão-de estar naturalmente pletóricos de trabalho. E nes­te caso, o mal não está só nos doentes, mas especialmente nos médicos.
A radiografia é um meio auxiliar de diagnóstico. Acima das análises e dos R.X. está um bom exame clínico. É esse exame que ditará ao médico a conduta a se­guir. Se o médico não usar este critério que os Mestres se não cansam de apontar, são montões de análises e radiografias atiradas para o lixo. 800.000 Contos de despesas aunciaram os propagandistas no começo da Nova República. O mesmo sucede com os medicamentos. Se a medicação não produz no mesmo dia, na mesma hora, o efeito desejado, o medicamento não presta e o mé­dico também não.

Em tempo, houve montões de comprimidos deitados fora pelas janelas do Hospital de Santa Maria.

Postos Clínicos.
Está certo e não constituem novidade. Há mais de 40 anos, no mesmo jornal da entrevista, já o signatário advogava a sua implantação onde se julgassem necessários. Vieram depois as Casas do Povo e serão estas instituições fascis­tas os neurones de toda a engrenagem sanitária a montar em Portugal. Com pe­quenos grupos de freguesias, três ou quatro conforme o número de habitantes, assistidas pelo seu médico residente numa delas e subsidiado pelo Estado com honorários capazes de incrementar alegremente a fixação.

"Modelos de S.N.S.”
"Inspiração no modelo Inglês".
Conheço muito bem o que se passa na Inglaterra, na França e nos Estados Uni­dos. Praticamente todos têm as suas virtudes o os seus defeitos.
Morre uma criança portuguesa em França, passando por 3 hospitais e um jovem de 20 e poucos anos na América que 2 Casas de Saúde se negaram a prestar-lhe assistência. No fundo, criminosa burocracia. O sistema Francês parece-me o mais prático. O doente vai ao médico que quiser, paga a sua consulta e vai depois à Caixa que imediatamente o reembolsa da despesa feita. Em Portugal o sistema existe. Simplesmente os serviços da Previdência não dispõem de verbas suficientes para de pronto reembolsar os doentes. E aqui vale a pena com­parar o que se passava no tempo do fascismo em que o Estado ia buscar verbas avultadas aos cofres sempre abarrotados da Previdência para suprir faltas prementes.
ADSE, ADME, e SAMS são exemplos de medicina convencionada e fiscalizada pelo Estado. Não precisamos pois, de ir lá fora buscar modelos.

Falta de médicos especialistas.
"Eu quero ir "ó pchalista".
É o pedido formulado pelos doentes não esclarecidos na roda diária do Clíni­co Geral. E nesta conformidade os "pchalistas" não chegam. Preparem-se bons Clínicos Gerais e 50% dos especialistas dispensam-se. Este assunto é porém discutível e carecido de largo esclarecimento em qualquer mesa redonda ou quadrada.

Contradição ou ambiguidade?
Na referida entrevista há uma estranha contradição do Senhor Deputado Arnault quando diz que "o S.N.S. não se pode fazer sem os médicos" depois de ter di­to que “os médicos não são os únicos nem talvez os mais importantes profis­sionais da saúde". Em que ficamos? Se os médicos não são os mais importantes profissionais da saúde, diga o Senhor Deputado Arnault quem os substitui. En­fim, elas aparecem e devemos ter a benevolência suficiente para as desculpar. Mas a arrogância do Senhor Deputado Arnault vai até ao ponto de menosprezar a importância da classe médica ao afirmar que o projecto de lei sobre o S.N.S. será aprovado segundo as directrizes do Partido Socialista que "serão as po­pulações que hão-de exigir do Governo o cumprimento da lei" etc. etc. Os mé­dicos em Portugal escolheram o candidato Dr. Gentil Martins para Bastonário da Ordem, não havendo, portanto, lugar para falar de "alguns médicos" quer sejam do Sul ou do Norte. A escolha foi feita democraticamente o representa a corrente a favor de um S.N.S. intervencionado. Se o Senhor Deputado Arnault não concorda com as razões apresentadas é a minha vez de lhe garantir que não irá contra a vontade de 80% dos médicos deste País.
Sobre as carreiras médicas, o assunto está largamente estudado, vem de muito longe e sobre elas me pronunciei em Coimbra no início da sua criação.
Sobre honorários, tudo dependerá dos serviços prestados.

Seja como for, não podemos compreender o pagamento de 14 meses, invenção portuguesa que nada justifica, originária de conflitos sociais que devemos a to­do o custo evitar.

O que fica por dizer é muito. Veremos se o bom senso preside aos debates que ora se
anunciam na Assembleia da República e se o Senhor Deputado Arnault conse­gue provar as suas controversas afirmações.
Os médicos portugueses estarão atentos.

----­ A MINHA PROPOSTA ----­

Má ou boa é feita do “saber de experiência feito" durante 52 anos de labor in­tenso, parecendo-me, por isso, eficiente, viável e profundamente humano.
Partamos das bases para as cúpulas, como agora se diz.
Cada freguesia, de Portugal terá a sua Casa do Povo, construída segundo moldes apropriados para o efeito.
Toda a actividade ali ficará centralizada.
Especialmente a assistência médica.
Agregados populacionais do 2 a 3 mil habitantes, terão o seu médico com resi­dência onde melhor convier, onde houver facilidades do alojamento e receberá um subsídio de fixação nunca inferior a 25.000$00"
Os médicos integrados no S.N.S., todos os que quiserem, não receberão dinheiro dos doentes - serviço gratuito.
Terão no seu consultório um livro do registo, o livro existe há mais de 25 anos e é da minha autoria, onde cada consulente apõe a sua rubrica por si ou pelos filhos menores que não saibam escrever ou ainda tratando-se de maiores anal­fabetos a colocação ela impressão digital do dedo indicador da mão direita, tu­do isto para efeitos do fiscalização.

No final de cada mês um funcionário do S.N.S. percorre os consultórios, veri­fica o número e qualidade de serviços, de honorários convencionados e passa o respectivo cheque a pagar na tesouraria de Finanças.
O serviço de enfermagem será assegurado por auxiliares treinados nos consultó­rios até que as Escolas de Enfermagem possam fornecer pessoal idóneo.
Dos consultórios os doentes passariam para os Hospitais Regionais, Distritais e Centrais, conforme as necessidades.
E dinheiro?
Será criado um Imposto Nacional de Saúde com incidência sobre todas as cole­ctas, variável conforme o quantitativo a despender em serviços e medicamentos, anualmente.
Como a saúde é o melhor bem da vida, estou absolutamente convencido que nin­guém regatearia este contributo, desde que fosse exclusivamente aplicado para o efeito.

Alpedrinha, 18 de Dezembro de 1978
Francisco de Sá Pereira