8.02.2006

Visão do Futuro

Com uma forte dedicação, muito para além do dever profissional, o Sr. Dr. Francisco de Sá Pereira, foi para a sua terra adoptiva, o exemplo dos Grandes Homens do passado que pela sua acção muito honra Alpedrinha no presente.
A sua visão do futuro está bem expressa na brochura " A Quinta do Anjo da Guarda em Alpedrinha - A Sua Obra - O que é - O que poderá vir a ser" que nos deixou escrita em 1960, e que em jeito de homenagem aqui tenho a honra de transcrever:

O PARQUE RECREATIVO DO ANJO DA GUARDA
É UMA OBRA TURÍSTICA, ASSISTENCIAL E AGRÍCOLA

Alguém lhe chamou «fantasia».
Um Engenheiro Agrónomo, depois, de a guindar aos «píncaros da lua», baixou-a ao nível do «trivial».
Há quem lhe chame loucura, ruína, carolice e outras coisas mais.
Ora esta Obra, é pura e simplesmente «uma lição de Boa Vontade».
Lição para os descrentes.
«A fé move montanhas»
Tudo é realizável neste mundo.
Basta querer.
Tem uma divisa.
Morte ou Glória,
Ou perpetuará o nome do seu obreiro ou morrerá com ele.
E o coração deste obreiro, será arrancado do cadáver e ficará junto da Obra, como símbolo de quanto pode a Boa Vontade.
Sim, boa vontade.
Porque aqui não há riqueza. Há o labor de uma semana para recomeçar na seguinte. Sem desfalecimento, noite e dia em busca do necessário para continuar.
Quantos apertos, quantos vexames.
— Olha rapaz, hoje não há dinheiro trocado.
Volta amanhã.
Não havia dinheiro trocado nem por trocar.
Havia apenas cotão no fundo dos bolsos.
E a gente ri cá para dentro.
Riso amargo mas confiante no dia seguinte.
E o dinheiro aparece, milagre de Santo António, o meu Compadre três vezes.
Tem sido assim de há vinte e cinco anos a esta data.
De «suor e lágrimas» servindo-me da frase de Churchill, tem sido feita esta Obra.

 A Parte Turística compreende:

O CAMPO DE PATINAGEM «LUÍS ANTÓNIO»
Trinta e seis metros, por dezoito.
Rodeado de bancadas em anfiteatro, construídas de pedra tosca, com lotação para mil pessoas sentadas.
Falta construir as bancadas do topo sul e uma pérgula sobre uma fila de camarotes, cujo acabamento está dependente da autorização da Junta Autónoma das Estradas.
O seu nome vem do actual jogador de hóquei da Associação Académica de Coimbra, Luís António Matos de Sá Pereira, estudante de Medicina e foi-lhe oferecido como prémio do êxito que obteve no primeiro ano do liceu em 1951.
Nesta data, deu-se início ao desenvolvimento do Hóquei patinado no distrito de Castelo Branco, facto que convém acentuar para a história do desporto da região.
Nos anos de 1952-1953 e 1954 disputaram-se com invulgar animação e geral agrado do público, os campeonatos de Hóquei do distrito de Castelo Branco, tendo saído sempre vencedora a equipa de Alpedrinha.
Em: 1954 actuou no ringue a patinadora do Benfica Edite Cruz, por ocasião das festas do Anjo da Guarda.
Em fins de Agosto do mesmo ano, o jogador internacional Jesus Correia, deleitou a assistência com uma exibição de estilo.
Uma sanção injusta aplicada pela secção de Finanças do concelho do Fundão, paralisou o movimento desportivo.
Ao cabo de dois anos, a acção ganhou-se, mas o proprietário, desgostoso, desinteressou-se do assunto.
Ficaria bem ali uma tabuleta com os seguintes dizeres: Este campo está abandonado por excesso de zelo da Direcção de Finanças do distrito de Castelo Branco.
A PISCINA DESPORTIVA
Não tem nome, aguardando quem o mereça.
Construída em alvenaria e cimento, de forma rectangular, mede 33,33 m de comprimento por 16 m de largura, tendo começado a encher no dia 15 de Agosto de 1956.
O fundo, em rampa, primeiro suavemente inclinada numa extensão de 10 metros - zona de «não nadadores» de 1 m a 1,60 m - continua em declive mais acentuado, 11 m entre paralelas até uma zona de profundidade máxima de 5 metros.
Tem uma capacidade de cerca de um milhão, setecentos e cinquenta mil litros de água potável que vem do «Vale de Clérigos» em manilhas de 0,20 m de diâmetro e ainda de nascentes da Quinta do Anjo da Guarda, elevada por um motor Diesel.
Duas faixas de 0,70 m de largura separam um lava-pés de 1,25 m, constantemente alimentado por uma canalização de água de duas polegadas.
Seis escadas de acesso servem os nadadores, quatro em tubos de ferro e duas em degraus de cimento, à laia romana.
Um vestiário para Homens e Senhoras com divisões e instalações sanitárias apropriadas, asseguram o movimento balnear, prevendo-se o seu alargamento em caso de necessidade.
Sobre o vestiário estende-se uma ampla varanda alpendrada acessível por dupla escadaria, com duas divisórias nos topos que servirão de Bar e Bengaleiro num futuro próximo.
No topo sul da piscina ergue-se uma torre de saltos rudimentar com três metros e ao lado um trampolim de um metro.
O recinto é resguardado por uma cortina de tipo moderno, encimada por fina cantaria de Alcains.
O chão lajeado de xisto da Serra, toma-se fresco pelo relvado intercalar. O conjunto é agradável, de largos horizontes e situação privilegiada. Frequência selecta sem excluir a da gente modesta que assim adquire hábitos de sociedade.
Projecta-se para breve, uma piscina infantil por alargamento do lava-pés do topo Norte e a instalação de chuveiros de utilização obrigatória pré balnear.
Electrificação indispensável para o próximo Verão.
Mais tarde, uma torre de saltos em ogiva, com a altura máxima de cinco metros e as respectivas pranchas (fixas e ainda o isolamento da piscina por gradeamento em tubo, completarão aquilo que hoje constitui já motivo de orgulho para o povo de Alpedrinha e concelho do Fundão.
CAMPO DE TÉNIS
No enfiamento longitudinal da piscina e num plano inferior em dois metros de altura, estende-se um campo de ténis de tamanho médio, cuja terraplenagem está feita, prevendo-se o seu funcionamento para o ano de 1961.

PARQUE DE CAMPISMO
Há muito se pensa no estabelecimento de um parque desta natureza.
Não havia porém quaisquer normas oficiais.
Hoje essas normas estão mais ou menos descriminadas e susceptíveis de pôr em prática no parque recreativo do Anjo da Guarda.
Num plano inferior em cinco metros ao da piscina, estende-se um campo de três mil metros de superfície cuja terraplenagem está feita. O seu acabamento e povoamento de árvores apropriadas, será entregue a uma casa especializada, contando-se com a sua abertura no verão de 1961.
Pensa-se na construção de pequenas casas com as divisões apropriadas a vários grupos familiares. Serão de ocupação breve, no género dos Motéis americanos.
Um pequeno restaurante fornecerá alimentação sóbria para aqueles que não desejarem preparar as suas refeições.
Os campistas puros terão géneros alimentícios à sua disposição, horta, fruta, ovos, leite, manteiga, queijos, animais de capoeira, coelhos e carneiros, produzidos na quinta e vendidos aos preços correntes do mercado.
Mercearias de fina qualidade, conservas, fiambres e carnes ensacadas farão igualmente parte do fornecimento alimentar. O peixe fresco é de mais difícil aquisição.
Tudo porém se conseguirá se o campo tiver a frequência esperada.
Como recurso, em caso de grande afluência, serão postos à disposição dos Campistas, quatro rectângulos de 3000 m cada um, plantados de tangerineiras e cobertos de um fresco tapete de trevo branco.
PARQUE INFANTIL «MARIA FERNANDA»
Na extremidade sul do Parque de Campismo, projecta-se a construção de um recinto para diversão das crianças.
Um espelho de água ou uma piscina de contornos irregulares.
Baloiços, rodas giratórias, casinhas e uma grande gaiola com pássaros diversos.
Flores, muitas flores e árvores; formando pequenos bosques para jogar às escondidas.
«Maria Fernanda» será o seu nome em homenagem à licenciada em Medicina, Maria Fernanda Matos de Sá Pereira, pelo carinho e dedicação votados às crianças, herança paterna que gostosamente me apraz registar.
Quem sabe, talvez um dia, as mães de Alpedrinha, durante as horas de trabalho rural, possam entregar ali os seus filhos pequenos, à guarda de pessoas para o efeito preparadas.
De qualquer maneira, serão estabelecidos pequenos turnos de crianças pobres, da região, em regimen de Colónia de Férias, durante vinte dias.
É uma faceta do capítulo assistencial desta Obra.
SALÃO DE CHÁ
No plano superior à varanda da Piscina e no seguimento do topo Norte do Campo de Patinagem, está prevista a construção de um Salão de Chá, doze metros por oito, com a típica lareira portuguesa, de molde a poder ser frequentado no Inverno.
Servirá de salão de festas, de baile e talvez de Cinema.
No primeiro, andar, residência para o proprietário.
CLÍNICA DOS IRMÃOS «SÁ PEREIRA»
A ideia vem do início desta obra. Muitas vezes se falou na falta de um hotel em Alpedrinha.
Outras tantas se afirmou que o hotel se faria.
Sob que forma?
O meio não sustenta um estabelecimento hoteleiro durante todo o ano.
E então põe-se o problema.
Ou o hotel terá de fechar as portas a maior parte do ano por falta de hóspedes ou haverá que procurar maneira de manter o seu funcionamento constante.
O número de pessoas que hoje procuram um local de repouso, é cada vez maior.
É mesmo uma necessidade vital para o homem de trabalho dos grandes centros.
Nestas circunstâncias, pensa-se construir um edifício com rés-do-chão, primeiro e segundo andares, com cerca de trinta quartos e as respectivas acomodações de forma a poder receber hóspedes durante os meses de Julho, Agosto e Setembro.
Nos restantes meses do ano, este estabelecimento servirá como Clínica, com o seu bloco operatório, onde qualquer cirurgião, à escolha do doente, poderá fazer as intervenções cirúrgicas mais variadas.
Dado o incremento que estão tomando os serviços médico-sociais, julga-se a ideia de um futuro assegurado.
Supondo no entanto que assim não sucede.
Então surge uma outra modalidade.
A adaptação desta casa a Colégio para alunos de mentalidade débil, tão necessário num país onde nada no género se encontra.
O nome é um plágio da Clínica americana dos Irmãos Maio, célebre em todo o mundo.
Também começou assim, com modéstia e discrição.
Os irmãos Sá Pereira, existem.
Assim eles queiram servir a ideia do pai.
Se não quiserem...
Em pormenor diremos, que este hotel, clínica, casa de repouso, ou o que se convencionar chamar-lhe, será uma casa residencial, sem cheiro a enfermaria, onde cada pessoa, cada família, se sinta como se fosse na sua própria casa.
Quartos de largos horizontes, muito limpos, de mobiliário cómodo e vistoso embora modesto.
Comida sóbria, bem portuguesa sem as excentricidades da cozinha moderna.
Acessível a bolsas modestas, afinal o que falta por esse país fora.
Localizada junto à Estrada Nacional n.º 18, no primeiro plano à direita, se foi já campo de aterragem de um ministro demissionário, porque não há-de ser amanhã lugar de maiores surpresas?
PAVILHÃO DE ASSISTÊNCIA
Chamou-se assim a um edifício localizado de início, no quarteirão onde se tenciona hoje construir a Clínica.
Por discrição, para evitar exibicionismos e ainda por se julgar que ficaria melhor no meio da Quinta Nova, transferiu-se para «um quarto plano inferior, em relação à Estrada.
Assistência a quem?
Aos pobres das freguesias aquém Serra — Alpedrinha, Atalaia do Campo, Castelo Novo, Orca, Póvoa de Atalaia. Soalheira, Vale de Prazeres e ainda aos de Peraboa, minha terra natal.
Em que medida?
Tudo dependerá do auxílio dos poderes públicos e dos rendimentos ligados à exploração turística da Obra.
À fórmula — quando cada cidade, vila ou aldeia cuidar dos seus pobres, estará resolvido o problema da mendicidade — responde-se: Não se pretende acabar com os pobres da região, mas tão somente, concorrer na medida do possível para a aplicação prática da referida fórmula.
Como?
Um edifício: de dois pisos para homens e mulheres, em regimen de internamento livre.
Vivendo ligados à terra, como sempre viveram.
Sem fardeta e trabalhando voluntariamente em seu exclusivo bem estar.
Administração própria e cozinha a seu gosto.
Vacas leiteiras, galinhas, coelhos e porcos, a seu cuidado, forneceriam boa soma de alimentos indispensáveis.
Horta e fruta da quinta.
Os turistas dariam para o vestuário e para a mercearia.
E assim não custará fazer pagar a conhecidos e amigos.
E até cantar à guitarra como nos bons tempos de estudante.
Voz enrouquecida que chegará ao Céu.
O fogo implacável destruiu já o começo.
Novas paredes se levantarão com fé e perseverança.
A OBRA AGRÍCOLA
Compreende um pomar de dois mil citrinos, espalhados por tratos de terreno onde o trevo branco e violeta fornecem boa pastagem para o gado.
Mas esta quinta será ainda uma lição viva sobre os progressos da moderna concepção agrícola.
A mecanização apropriada à pequena agricultura, será posta em destaque pela aquisição de maquinaria adequada.
Animais reprodutores e viveiros de fruteiras comerciais à disposição dos visitantes.
Instalações agrícolas em pleno funcionamento e não apenas no papel e nas conferências agronómicas.
Numa palavra, procurar-se-á transformar esta quinta numa verdadeira Escola Agrícola.

Tudo isto necessita dinheiro, muito dinheiro, para a sua realização.
Iremos bater à porta, do S.N.I.
Pediremos o auxílio da Fundação Gulbenkian.
São necessários dois mil e quinhentos contos para a sua conclusão.
E ainda que o Estado, por via dos seus serventuários, continue a desconhecer esta Obra e até a hostilizá-la, mesmo assim ela continuará, até ao momento em que o seu proprietário tombar para sempre.

Alpedrinha, 20 de Novembro de 1960.

Francisco de Sá Pereira

Não foram os problemas económicos com que veio a confrontar-se, aliados ao alheamento das entidades governamentais e outras, e estou certo que este seu sonho teria sido concretizado. Todavia, Alpedrinha deve orgulhar-se do seu legado. O trabalho que tem vindo a ser desenvolvido pelo seu herdeiro, Dr. Luis António, coloca este complexo turístico entre os melhores da nossa região, obrigando por isso a uma referência de qualidade.

Foto gentilmente cedida pelo Sr. Eng. Francisco de Sá Pereira (Filho)

2 Comentários:

Às 12/08/2006, 15:12:00 , Blogger paula silva disse...

Há homens assim, que não esquecem, pelas suas ideias grandiosas, pela generosidade, pela capacidade de sonhar e concretizar.
Não se concretizou tudo, é uma verdade, mas o que se concretizou está bem presente, e será viável o sonho, ainda que os custos económicos sejam elevados.
Que saudades do Sr. Dr. Sá Pereira, da sua humildade, da sua generosidade... os cartões anuais para que as crianças e jovens de Alpedrinha frequentassem a piscina gratuitamente não se esquecem - eu não esqueço, e agradeço.
Grande Homem!
Bem Hajas Eduardo por recordarmos aqui este médico, sonhador e concretizador de sonhos... que nunca o esqueçamos! Homenagens triviais não serão jamais suficientes... esta homenagem é genuina e justa.
Parabéns pela lembrança e pelo documento tão inovador para a época, tão inovador que até hoje uma grande parte, concretizável, viável, continua à espera de dias melhores. Todos aguardamos dias melhores para Alpedrinha, para o seu desenvolvimento sustentado, criativo, construtivo e sereno... sem ferir a Gardunha...

 
Às 24/08/2006, 12:14:00 , Blogger Fernando Pires disse...

A minha admiração pelo Sr. Dr. Sá Pereira já vem desde os tempos em que era criança. Não mais irei esquecer o contributo decisivo que teve na saúde oral das crianças de Alpedrinha, através de consultas que eram efectuadas na sua clínica, completamente gratuitas. Recordo que todos os dias, dois alunos da escola primária eram escolhidos, por ordem definida, para irem ao dentista. Este acto foi de uma generosidade extrema, impensável nos nossos dias, onde os bens materiais sobrepõem os reais valores que merecem ser conservados.
Depois de ler este post, fico com a ideia, que desconhecia até aqui, do espírito empreendedor e inovador deste GRANDE HOMEM. Fantástica projecção futurista, em que a sua sabedoria está presente. ELE sabia bem o que queria.
É uma homenagem que faz todo o sentido.
No nosso país, são precisos mais homens como o Dr. Sá Pereira.
Quanto ao projecto que está concretizado é de excelente qualidade e todos estamos de acordo. Ao restante por concretizar, num tempo de "vacas magras", não será fácil. Mas fico com a sensação de que já vi fundos comunitários mais mal aplicados do que se tivessem vindo para concretizar este "sonho".

Mais uma vez, parabéns Sr. Eduardo pelo seu blogue que comento com enorme satisfação, devido aos temas sérios aqui abordados.

1 abraço.

 

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