7.02.2006

Razões de um título

Prefácio do Dr. José Vasco Mendes de Matos à brochura de Jaime Cortesão sob o título " ALPEDRINHA e as varandas da Gardunha" em edição do jornal «Beira Baixa» de 30-08-1964, composto e impresso na Gráfica de S. José e que se pode consultar na biblioteca de Alpedrinha, testemunho vivo da passagem de Jaime Cortesão pela nossa Vila:

UMA LEGENDA PARA ALPEDRINHA
Sintra da Beira, já lhe chamaram.
A designação indicia o prestígio de Sintra na época romântica e, daqui, se poderá situar, no tempo, a legenda.
Mas, para além da intenção elogiosa do seu anónimo autor, a comparação não é válida.
A vila tem uma personalidade própria e vê-se que esta é o produto da confluência de correntes eruditas e populares.
A arquitectura concretiza, com clareza, esta afirmação. Ao lado do manuelino das portas e janelas, do barroco da Casa do Picadeiro, do portal renascença da Capela de Santa Catarina, encimado pelo brasão de D. Jorge da Costa, Cardeal de Alpedrinha, o poderoso prelado português da intimidade dos Papas e dos Reis do seu tempo, encontramos a habitação rural típica desta zona da Beira Baixa — casas de granito, de loja e um andar, com varanda de madeira e balcão de pedra, integradas na paisagem e no modo de viver das gentes, e onde os vasos com flores põem uma nota de cor na sobriedade da concepção.
E o mesmo se diga do artesanato. Ao lado dos móveis de estilo fabricados pelas famílias Fonseca e Pinto — o pai dos actuais representantes da família Pinto estava autorizado a usar o título de marceneiro da Casa Real — os ferros forjados moldados com amor por mestre Simão Rafael e as linhas puras da louça preta do oleiro de que poucos conhecem o nome, na tradição corporativa do artesanato português.
Situada a meia encosta da Serra da Gardunha, a vila domina toda uma vasta paisagem, em que se recorta o cabeço de Monsanto e, lá mais longe, as serranias de Espanha. Para o sul, alveja Castelo Branco e, em todo este largo espaço, destacam-se, com uma nitidez de «maquette», as estradas e os caminhos vicinais, as povoações do campo, as manchas verdes de pinhal, o cinzento prateado das oliveiras, os casais da pequena exploração agrícola e a planície cor de terra, que se estende a perder de vista. Para quem queira visitar grande parte da Beira Baixa - até agora injustamente ignorada pelo turismo português — Alpedrinha é o sítio indicado.
A meio caminho entre as duas cidades da província, com a Serra da Estrela, Monsanto, Monfortinho, Idanha-a-Velha e Penamacor a pouco mais de uma hora de distância, com Castelo Novo, a floresta e a própria sede do concelho a dois passos, de clima excelente, sem humidade excessiva e pequenas amplitudes térmicas, no centro do mais importante eixo de comunicações ferroviárias e rodoviárias da região, Alpedrinha está indicada para zona de turismo de permanência de média altitude.
A este propósito, assinale-se a existência da Estalagem de S. Jorge e da piscina do Parque Luiz António. Duas iniciativas particulares de tão alto interesse que, só por si, já modificaram o estilo de vida dos que vêm passar férias a Alpedrinha.
Elas devem-se, exclusivamente, ao espírito de iniciativa e de persistência, sem desânimos, dos seus proprietários, respectivamente, D. Maria do Carmo Falcão Tarouca e Dr. Francisco de Sá Pereira.
É pena que as Termas da Touca não tenham quem as desenvolva e proteja.
E pena é, também, que os organismos turísticos oficiais nada tenham feito, até aqui, por Alpedrinha.
Mas... isto é outra história que não faz parte desta legenda Jaime Cortesão, que no seu regresso do Brasil, percorreu Portugal de norte a sul, dedicou a Alpedrinha uma página inesquecível do seu talento de homem culto e escritor de raça.
Refiro-me ao artigo «Alpedrinha e as varandas da Gardunha», inicialmente publicado no jornal «O Primeiro de Janeiro» e, posteriormente, transcrito no «Jornal do Fundão».
Bom seria que tal artigo fosse impresso, em separata, de condigna apresentação gráfica. Ele ficaria a constituir a mais bela legenda para Alpedrinha.
Aqui fica a sugestão para quem possa e queira levá-la a cabo.

José Vasco Mendes de Matos
(Artigo publicado no jornal «Beira Baixa» de 30-8-1964)

4 Comentários:

Às 11/07/2006, 14:37:00 , Blogger Fernando Pires disse...

Sr. Eduardo:
Interessante este prefácio, que desconhecia, onde muitas coisas que o autor escreveu em 1964, estão ainda bem actuais. As Termas da Touca, por exemplo e as características naturais ainda preservadas, são bem reais 42 anos depois do Dr. José Vasco Mendes de Matos o ter escrito.
Muito interessante e espero que continue a postar sobre Alpedrinha.
1 abraço.

 
Às 11/07/2006, 16:28:00 , Blogger Duarte Freire disse...

Parebens Eduardo... tem um blog "à maneira" :D

 
Às 11/07/2006, 22:19:00 , Blogger paula silva disse...

Parabéns pela divulgação de um artigo tão importante sobre a nossa "Sintra da Beira".
Fico contente por este post e aguardo muitos mais.
Espero que esta venha a ser uma "varanda" de referência sobre Alpedrinha e o que ela tem de melhor, ou pode vir a ter se a união de esforços assim o quiser.
Por mim até vejo vantagem em que o Eduardo, com o conhecimento e recursos de que dispõe, possa tornar esta "varanda" um ponto de referência, por exemplo publicando outros artigos sobre a nossa amada terra, da "Informação da Liga", do Salvado Motta, até da "Folhinha", se assim se justificar e puder contribuir para elevar o nome da nossa Vila.
Continuarei, sempre que possível, a vir espreitar por esta varanda, que promete ser uma lufada de ar fresco... e a recomendar o blog aos amigos...
Cumprimentos Alpetrinienses

 
Às 12/07/2006, 17:26:00 , Blogger oasis dossonhos disse...

Tal como a Paula escreveu, este blogue é para recomendar aos amigos, pois é um bom cartão de visita sobre a nossa terra amada. Acompanhado pela iluminação do espírito de gente viva que escreve como o Eduardo, sinto que Alpedrinha não morreu e nela posso continuar a repousar enquanto vivo, e, quem sabe, quando partir para a derradeira viagem.
Nunca o disse, mas escrevo: metade das minhas cinzas queria dá-las à Gardunha, a outra metade aos oásis de Tozeur, na Tunísia...
Bem Haja!
Luís

 

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